Ficção científica em revistas em quadrinhos brasileiras





Viagens maravilhosas do Dr. Alpha ao mundo dos planetas


Embora tenha sido publicado em O Tico-Tico, primeira revista em quadrinhos brasileira, surgida em 1905, Viagens Maravilhosas do Dr. Alpha ao mundo dos planetas é um romance ilustrado publicado em capítulos entre janeiro e outubro de 1907 (anúncio na edição 65, edições 67 a 108). Criado por Oswaldo Silva (que também fazia as ilustrações), o romance narra um viajante espacial, indo até Lua e a planeta Marte. Para tal feito, o Dr. Alpha utiliza uma nave chamada Meteoro (que mais parece um balão dirigível) e um traje espacial. Pela data que foi publicado, o autor pode ter tido influências de Histoire comique des États et Empires de la Lune (1655), L'Histoire comique des États et Empires de la Lune (1662) de Cyrano de Bergerac, As Viagens de Gulliver de Jonathan Swift (1726),   Star ou Ψ de Cassiopée (1854) de Charlemagne Ischir Defontenay, Lumen (1872) de Camille Flammarion, The Struggle for Empire: A Story of the Year 2236 de Robert William Cole (1900). Da Terra a Lua (1865) e sua sequencia,  A Roda da Lua ou À Volta da Lua (1869 ) de Julio Verne,  Fighters From Mars (1897) e Edison's Conquest of Mars, de Garrett P. Serviss (1898), Os Primeiros Homens na Lua, de HG Wells (1901), Le docteur Oméga, aventures fantastiques de trois Français dans la planète Mars de Arnould Galopin (1906), as histórias de Verne e Wells serviram de inspiração para Georges Méliès criar o filme Le Voyage Dans la Lune (1902). Uma outra possível inspiração seriam as ilustrações do escritor e ilustrador francês Albert Robida (1848-1926), que ilustrava dirigíveis e aeronaves futuristas.



A ideia de publicar histórias em capítulos já estava presentes em folhetins, penny dreadfuls e dime novels no século XIX, e nas revistas pulps. Os pulps surgiram no final do século XIX, mas floresceram no século XX, sendo inclusive bastante influentes nas "tiras de aventura" e nos quadrinhos de super-heróis. Algumas revistas da Era de Ouro dos quadrinhos norte-americanos também traziam histórias ilustradas, chamadas de text stories, embora a maioria das histórias fossem fechadas.

Dr. Alpha

Meteoro


Em 2019, Dr. Alpha foi homenageado na webcomic Ignotos de Gabriel Billy e Juan Melo, que une personagens clássicos da literatura fantástica brasileira, tais como Macário criado por Alvares de Azevedo em 1852, Oscar criado por João do Rio em 1910, Esphinge (James) criado por Coelho Neto em 1908, Simplício de “A Luneta Mágica” criado em 1869 e Funesta (A Rainha do Ignoto), de Emília de Freitas em 1899, na história, Alpha é substituído por uma aprendiz que usa o nome de Beta.

Em julho de 2023, as editoras Minna e Mamakoosa lançaram uma campanha de financiamento coletivo de uma reedição de Viagens maravilhosas do Dr. Alpha ao mundo dos planetas, primeiro livro da Coleção Ignotos, que planeja lançar todos os textos originais de onde saíram os 8 personagens centrais de Ignotos. Link da campanha: https://www.catarse.me/dralpha





Para ler a webcomics, acesse o site Ignotos
Fonte: Mais QI Nerd


Audaz, o Demolidor


audaz o demolidor a gazetinha
Audaz, o Demolidor, estreou em dezembro de 1938, nas páginas de A Gazetinha, suplemento de quadrinhos do jornal paulista A Gazeta. Foi criado por Manoel Messias de Mello e . A tira contava a história de três aventureiros (Dr. Blum, Gregor e o menino Jacques Ennes), que podiam controlar um robô gigantesco (que seria o protagonista da tira).  A última tira foi publicado em 1940, com uma nova história publicada na edição 1 de A Gazeta Juvenil publicada em agosto de 1949. Os roteiros das histórias eram de Álvaro Moura (que assinava como Aruom) e Lindbergh, responsáveis respetivamente pela primeira e pela segunda história.


Contudo, a tira não foi a primeira história em quadrinhos a apresentar robôs gigantes sendo pilotados. Lancelott Martins, autor do Catálogo de Heróis Brasileiros descobriu que anteriormente, a revista publicou O Trotamundos, uma HQ mexicana de Leonel Guillermo Prieto (roteiro) e Victaleno León (desenhos) sobre um robô gigante chamado Invictus, as duas histórias tem muitas semelhanças, indicando que Audaz foi criado para substituir Invictus (o TV Tropes chama esse tipo de personagem Captain Ersatz). Mais detalhes e download da história no blog Golden Age Quadrinhos de Lancelott.



Nas histórias de Buck Rogers dos anos 30, robôs volta e meia aparecia, podendo ser autômatos ou mesmo controlados remotamente.
Fonte:That Buck Rogers Stuff

Em New Comics #8-10 (1936), a  dupla Jerry Siegel (roteiros) e Joe Shuster (desenhos) apresentaram o arco de história "The Invisible Empire" da série Federal Men, onde robôs gigantes atacavam a cidade Nova York. No fim, o agente federal Steve Carson entra na sala de máquinas de um dos robôs e consegue pilotá-lo. As tiras mexicana e brasileira surgiram antes Tocha Humana Original da Timely Comics (atual Marvel), porém, há uma diferença: enquanto Audaz e Invictsu são apenas máquinas que precisavam ser manipulada, o herói da Marvel possuía inteligência artificial. 

Um outro exemplo posterior foi Bozo, the Iron Man, publicado em Smash Comics #1-41 (1939-1943). Criado por George Brenner, a série contava a história de um robô criado pelo cientista louco Dr. Von Thorp. O robô foi criado para cometer crimes, até ser encontrado por Hugh Hazzard, que entra dentro do robô e o desativa. Logo em seguida, passa a controlá-lo internamente, dando-lhe o nome de Bozo. Hazzard podia usar Bozo como armadura ou controla-lo remotamente. Bozo antecede o Homem de Ferro da Marvel Comics, mas o conceito também veio da literatura pulp, mais especificadamente da série Lensman, de EE Doc Smith,  publicada a partir de 1934, onde existem as "space armors", que mais tarde seriam aperfeiçoadas nas mobile suits de Starship Troopers de Robert A. Heinlein (1959). A própria Timely também teve um robô controlado remotamente, Electro, criado por Steve Dahlman em 1940. A aparência de Bozo lembra a do robô/ciborgue The Automation do seriado The Master Mystery estrelado pelo ilusionista Harry Houdini em 1919.



Curiosamente, a revista A Gazeta Juveil publicou em 1948, a série Alagala (Il terrore di Allagalla) dos italianos Luciano Pedrocchi (roteiro) e Enrico Bagnoli (desenhos),  que também tratava de um robô gigante, a inspiração possivelmente inspirada no arco 
 Brick Bradford and the Metal Monster (13/02/1939 –16/03/1940) por William Ritt (roteiro) e Clarence Gray (desenhos)  uma vez que este arco foi publicado na revista Albi d'oro, onde Alagala também foi publicado. Link para leitura de Allagalla em espanhol no Comic Book Plus. Na década de 1970, Phill Corrigan, o Agente Secreto X-9 criado por Dashiel Hammet e Alex Raymond reencontra o robô gigante enfrentado por Bradford e conhece a sobrinha do cientista Kopak, Karla Kopak em história escrita por Archie Goodwin (roteiro) Al Williamson (desenhos). Fonte: Secret Agent X-9: Spies, Strong Women and One Hip Mohawk (dica do colecionador português Jorge Semelhe)


federal men new comics

Federal Men








Capa da revista Brick Bradford #6 (1949), arte de Alex Schomburg trazendo a republicação do arco Brick Bradford and the Metal Monster


No curta de animação "The Mechanical Monsters" (Novembro de 1941), produzido pela Fleischer Studios, o Superman enfrenta robôs gigantes controlados remotamente por um cientista louco - o curta inspirou o filme Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, de.Kerry Conrad e um outro curta, Superman Classic, criado pelo animador da Disney, Robb Pratt e disponibilizado no Youtube.





 Um outro exemplo posterior foi o robô gigante "Loco", visto em um arco de história de duas partes da série Boy Rangers, e publicada em Clue Comics #3 e 4 (1943). Nela, os Boy Rangers, um grupo de garotos que combatiam o crime - muito parecidos com a Legião Jovem de Jack Kirby e Joe Simon - encontra um robô gigante controlado por bandidos. O grupo combate os bandidos e passa usar o robô. Porém, em histórias posteriores, o robô não aparece mais. A série Boy Rangers foi publicada entre as edições 1 a 9 da revista Clue Comics. A autoria das histórias não foi encontrada, logo, suas histórias estão em domínio público no Brasil, até que se prove o contrário.

Boys Rangers e o robô Loco
De acordo com o Overstreet Comic Book Price Guide, Bozo teria sido o primeiro robô a aparecer em uma capa de revista em quadrinhos. Na verdade, o primeiro robô em uma capa de revista foi um robô criado por Hergé (criador de Tintin) na série Jo, Zette et Jocko - mais precisamente no arco de história "Le 'Manitoba' ne répond plus", publicado na revista Le Petit Vingtième, em 1937.














O arco Federal Men foi publicado como Polícia Federal contra os monstros de Aço na revista Mírim de Adofo Aizen em 1937, consegui ainformação primeiramente em anúncio do Suplemento Juvenil de 28 de julho de 1937 na página de Skye Ott, um colecionador e vendedor de quadrinhos. 
De acordo com Diamantino Silva em seu livro 'Quadrinhos Dourados: A História dos Suplementos no Brasil' (Opera Graphica, 2003), Slam Bradley, foi lançado na revista Mírim no mesmo ano de 1937. A História está disponibilizada na Hemeroteca Digital Brasileira.




A Gazetinha também publicou a série como "Os Homens Federais" em 1939, o Superman, criação posterior da dupla foi publicado na mesma edição em que Audaz estreou.




O estilo adotado por Messias de Mello não se parece com o de Joe Shuster, mas sim com o de Alex Raymond, criador de Flash Gordon, tanto que também chegou a desenhar outras tiras de ficção científica: Luke Harry no Planeta Zinder (nitidamente inspirada em Flash Gordon, 1939), A Roda da Lua (1937), baseada nos romances Da Terra a Lua (1865) e sua sequencia,  A Roda da Lua ou À Volta da Lua de Julio Verne, também ilustrou Dick Peter, personagem criado por Jeronymo Monteiro com o pseudônimo de Ronnie Wells, o personagem surgiu como um uma história policial e logo absorveu elementos de ficção científica, também foi ilustrado por  Abílio Corrêa no jornal Díario da Noite e por Jayme Cortez na Editora La Selva. Mello também desenhou Buck Rogers e Rod Rian, policial do espaço (personagem de tiras de Paul H. Jepsen, também publicado em Flash Comics da DC) em capas de A Gazeta Juvenil, a revista também publicaria a série Johnhy Wiking (do sueco Björn Karlström). 



Paralelo a isso, Francisco Acquarone adapta Os Primeiros Homens na Lua de H.G. Wells para O Globo Juvenil (1937).

Em 1949, Messias de Mello ilustrou o texto em prosa O Prisioneiro de Marte, adaptação do livro Le Prisonnier de la Planète Mars de Gustave Le Rouge por Sidneia Rossi, originalmente transmitido no program Album de Aventuras da Rádio Gazeta.










Na literatura, robôs gigantes pilotáveis já apareciam em A Casa do Vapor de Júlio Verne (1880), onde há um elefante mecânico e A Guerra dos Mundos de H.G. Wells (1898), que apresenta os mortíferos tripods. Em 1926, o escritor Edmond Hamilton publicou o conto The Metal Giants, nas páginas da revista pulp Weird Tales. Outros robôs gigantes apareciam corriqueiramente nas capas das revista Amazing Stories e Wonder Stories.
Tripods por Warwick Goble para publicação na revista Pearson's Magazine (1897) 

Tripods em edição francesa de A Guerra dos Mundos, arte do
brasileiro Henrrique Alvim Corrêa
(1905)





Wonder Stories (Fevereiro de 1934), capa de Frank R. Paul











Weird Tales (1926)







Audaz tem conseguido um reconhecimento graças aos esforços do animador Daniel Messias, filho de Messias de Mello. Daniel disponibilizou scans de A Gazetinha e A Gazeta Juvenil, em sites dedicados a obra do pai.


Ver também


Capitão Mors

Saturno contro la Terra

Fontes e referências

Jones, Gerard. Homens do Amanhã - geeks, gângsteres e o nascimento dos gibis.  Conrad Editora, 2005

Scientific American Brasil - Exploradores do Futuro #2 - H. G. Wells . Editora Duetto, 2005


 Scientific American Brasil Exploradores do Futuro #3- Isaac Asimov. 




O Brasil teve uma Era pulp na ficção científica?

Roberto de Sousa Causo, Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil: 1875 a 1950, 2003. Editora UFMG







Le Docteur Oméga -Wikisource (texto original em francês)



















Comentários

Dourado disse…
ótimo trabalho!

onde encontro scans de A Gazetinha?

abraço

P.S. estou editando um blog sobre HQs bem antigas, daí meu interesse

http://agaqueretro.blogspot.com.br/2017/01/aranhas-sonhos-e-um-crime-barbaro-no.html

esse link acima é possivelmente a HQ de crime violento mais antiga publicada no Brasil, acredito eu.